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domingo, outubro 05, 2008

REPORTAGEM do Jornal PUBLICO: Da nascente do Rio Sabor até à Foz

REPORTAGEM do Jornal PUBLICO: Da nascente do Rio Sabor até à Foz
03.10.2008
Alexandra Lucas Coelho


(Reportagem Fotográfica)

Vai-se num jipe de ir às perdizes e às trutas. Primeiro acaba a estrada, depois o caminho, depois Portugal. Então vai-se a pé, por uma paisagem de há mil anos. Aí nasce o Sabor, antes de começar a descer Trás-os-Montes. É uma memória de Portugal em risco. A barragem vai engolir milhões de plantas, animais e a terra dos homens. Viagem da nascente à foz, a partir de hoje.

...
A nascente do Sabor é um nordeste selvagem. Serranias de erva tenra, giesta, carqueja e urze, grandes pedras zoomórficas e um esqueleto de vaca à beira da água.

Devia ser assim em 1008 e é assim em 2008, começo do Outono. A fronteira ficou para trás há mais de uma hora a pé. Primeiro acaba a estrada, depois o trilho, depois Portugal.

O fim de Portugal é quando aparece um marco no meio do mato, de um lado P, do outro E.

O rio nasce entranhando-se. É por isso que na nascente a terra parece mexer debaixo dos pés, empapada, deslizante.

A partir daí, o Sabor desce numa linha sinuosa, cortando Trás-os-Montes de alto a baixo, até encontrar as águas do Douro.

A sua natureza é milenar.

A indigestão da barragem

O Sabor é "um retrato de tempos recuados, provavelmente medievais", diz Carlos Aguiar, ...

Bragança, a próspera, ainda não tem engarrafamentos, e este botânico é um Pepe Rápido a pensar enquanto age, mas o Sabor não acaba.

E por onde começar - pela indigestão da barragem que vai engolir milhões de plantas e animais?

Em metade do percurso do Sabor, a água subirá, cobrindo montes e vales, até aos 234 metros de altitude. Não quer isto dizer que o rio suba 234 metros, porque não está à cota zero. No ponto mais baixo, junto ao paredão, poderá subir 101 metros normalmente e 111 em níveis de armazenamento, segundo a EDP. É a altura do Cristo-Rei, em Almada.

Foi um braço-de-ferro entre ambientalistas e decisores políticos. Agora está decidido.

Carlos Aguiar é contra. "E não sou um radical em matérias de ambiente. Difícil é o caminho do meio, aquele em que é preciso estar informado e quem o segue apanha nas orelhas dos dois lados." ...

O que é que faz do Sabor um rio único?

"Primeiro, é extenso, só a albufeira tem 50 quilómetros. Depois, sulca Trás-os-Montes e percorre todas as suas regiões naturais. Inicia-se na montanha e desagua num vale profundo. É um espectro muito amplo."

Mas não exactamente selvagem, como se costuma dizer. "Não é o último rio selvagem. O que acontece é que percorre uma região muito pobre e as margens foram abandonadas há mais tempo que no Douro, no Tejo, no Mondego. Antes havia agricultura na montanha, pastorícia, centeio, batata. E nas terras baixas, oliveira, trigo, amendoeira."

Ainda há, mas muita gente emigrou e a geografia é dura. "É um rio torrencial, o caudal varia muito ao longo do ano. E é profundo, atravessa território inóspito. O facto de a agricultura nunca ter sido tão intensiva como noutras zonas e ter sido abandonada logo nos anos 50/60 permitiu que os bosques de azinheiras e sobreiros se reconstituíssem."

Para além dos bosques, há "matas de buxo, lodão bastardo, cerejeiras de Santa Luzia...", um conjunto tão raro e denso que Carlos Aguiar resume as coisas assim: "O vale do Sabor é para um botânico o que a igreja mais antiga de Portugal, a Capela de São Frutuoso de Montélios, é para um historiador."

Por causa do abandono das terras tão cedo, "hoje o Sabor tem ecossistemas terrestres em melhor estado que há 50 anos". Podia ser "uma espécie de trecho wilderness", pouco tocado pelo homem. "A Europa está toda muito tocada e os europeus têm a obrigação de criar 'áreas wilderness', de onde são retirados todos os elementos de artificialismo."

Nenhuma ilusão quanto às barragens, no entanto, atalha: "Precisamos de algumas grandes barragens porque temos muitas eólicas. Mas têm que sobrar sítios onde não se constrói, pelo menos um. E o Sabor é o sítio certo, porque está pouco modificado pelo homem."

Os eventuais benefícios locais desta barragem não o impressionam. Mão-de-obra, acha, "será pouca" e de fora. "Quem vai trabalhar na construção das barragens são imigrantes." E turismo, será "o da sandes de queijo", com "uma procura temporária" dos serviços de café e restaurante.

Sustentado por um recente estudo espanhol, Carlos Aguiar não é o primeiro nem será o último a dizer: "O turismo rural é uma ilusão..."

Memória de um País

E se lá déssemos um salto?

"Isto é o rio Sabor. Tudo se está a silvestrar. O coberto está a reconstruir-se e está a haver espaço para os animais, raposas, corços, javalis, lobos, esquilos, martas, fuinhas..."

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Reportagem

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Fotografias

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